POLÍTICA DE BRANQUEAMENTO DA NAÇÃO
Ainda antes da virada do século XIX, já havia um projeto de Branqueamento da população, em que a elite desejava delinear no país. Não havia preocupação alguma com o que seria dos ex-escravos e pobres livres, pois disseminava-se na época a superioridade dos brancos sobre as outras raças. Com o branqueamento da nação tinha-se a pretensão de se chegar a uma higienização moral e cultural da sociedade brasileira. Ao clarear a população esperava-se progredir e isto tornou-se um projeto onde esperava-se que as próximas gerações fossem brancas em um período de 50 anos com expectativa máxima de 200 anos.
A aceitação de uma perspectiva de existência de uma hierarquia racial e o reconhecimento dos problemas imanentes a uma sociedade multirracial somaram-se a ideia de que a miscigenação permitiria alcançar a predominância da raça branca. A tese do branqueamento como projeto nacional surgiu, assim, no Brasil, como uma forma de conciliar a crença na superioridade branca com o progressivo desaparecimento do negro, cuja presença era interpretada como um mal para o país” (JACCOUD, 2008)
No fim do século XIX, a elite política e intelectual brasileira sentiu a necessidade de “branquear” a população brasileira, já que as teorias raciais clássicas exaltavam a pureza racial e pregavam que a mistura racial provocava necessariamente degeneração. Esta elite, que via-se caminhando para um fim certo do regime de escravidão (Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão, e já sofria pressões internacionais para que a mesma chegasse ao fim), “preocupava-se” que o futuro do Brasil estivesse comprometido devido a presença do grande número de africanos e afrodescendentes, os quais eles consideravam como uma “raça inferior”. (HOFBAUER, 2011). A tese do branqueamento, surge então como uma possibilidade de transformar uma raça inferior em uma raça superior. No entanto, os pensadores da época acreditavam que o enobrecimento das raças inferiores só poderia ser alcançado se fosse possível garantir uma predominância numérica de brancos em casamentos interraciais. Esse foi o raciocínio que justificou uma política de Estado que objetivava trazer mão-de-obra branca (portugueses, italianos dentre outros povos europeus) ao Brasil.
Chama a atenção o fato de que a reflexão e o projeto da intelligentsia brasileira, desde que começou a pensar num possível fim da escravidão, estiveram vinculados à proposta de importar mão-de-obra européia. Sabemos que num período de menos de 25 anos (de 1890 a 1914) chegaram 2,5 milhões de europeus ao Brasil; quase um milhão deles (987.000) tinha suas viagens de navio financiadas pelo Estado. Um documento, publicado pela Diretoria Geral de Estatística e assinado por Oliveira Vianna (apud ANDREWS, 1997, p. 97; ênfase no original),3 avalia o resultado do censo de 1920 da seguinte maneira: [constata-se] ―uma tendência que está se tornando mais visível e definida: (…) [a] progressiva arianização de nossos grupos regionais. Ou seja, o coeficiente da raça branca está se tornando cada vez maior em nossa população. (HOFBAUER, 2011, p.2)
Esta mão-de-obra branco-europeia ocupou os trabalhos que antes eram feitos pelos negros em situação de escravidão, porém de maneira assalariada, restando aos agora libertos ex-escravos continuar se submetendo a escravidão em troca de moradia e comida, ou conseguindo trabalhos com salários muito precários, ou então, relegados a marginalização, tendo de fazer o que fosse necessário para sobreviver (muitos foram viver em favelas e muitos inseriram-se na vida criminosa). Já no fim do século XIX e início do século XX, a população negra ia de fato se extinguindo e também se extinguia com ela a consciência de pertencimento a uma classe ou grupo social que deveria lutar por direitos e condições igualitárias de vida. Alimentado pela “imprensa branca, o padrão de beleza europeu, e toda a ideia de branquitude como “raça” superior era propagado na sociedade, por vezes de maneira sutil e sublimar, por vezes explicita e direta. Assim, o modelo ideal que era representado pelo ser branco, atuou nas mais diversas esferas do comportamento do negro brasileiro passando por hábitos, tradições, costumes, e pela estética. (SANTOS, 2009)
O peculiar desta ideologia foi transformar o discriminado em agente reprodutor do discurso discriminatório, colocando o negro a serviço de uma prática racista. Pelo enfoque estritamente psicológico, o coroamento do racismo se materializa quando a vítima assume o papel de seu próprio algoz. Em última instância, estamos diante de um quadro favorável ao “raçacídio”, que consistiria no suicídio coletivo de uma comunidade étnica, a médio e longo prazos, com armas ideológicas impostas de fora para dentro e aceitas pelos membros desta comunidade. (SANTOS, 2009, p.177)
Logo, esta ideologia, influenciada pelas teorias racialistas do século XIX, disseminava na sociedade brasileira o ideário da superioridade da raça branca e incentivava de forma incisiva o negro a resignar-se “diante de sua própria inferioridade” (SANTOS, 2005 apud SANTOS 2009)
Esse discurso fez acreditar que no Brasil nunca houvera barreiras raciais (dada à miscigenação). Desta maneira, a responsabilidade da não-ascenção social se dava pela incapacidade do próprio individuo negro (SANTOS, 2009). A pergunta que se faz diante da situação exposta é: a ideologia do branqueamento faz parte apenas do passado brasileiro no contexto ou permanece vigorando ainda atualmente? Comumente atribuído a Gilberto Freyre, o termo “democracia racial” representa uma leitura da realidade brasileira que visava provar, para o Brasil e para o mundo, que a escravidão no brasil foi mais branda e que vivíamos num “paraíso racial”, em que as “raças” conviviam harmoniosamente com iguais oportunidades de ascensão social, econômica e política. (SANTOS, 2009) Porém, o legado dessa ideologia é gravíssimo pois, mantem inalteradas as estruturas que privilegiam indivíduos brancos e marginaliza indivíduos negros; isenta a população de uma real contestação acerca de desigualdade étnico-racial já que pressupõe que a hierarquização racial da população está ligada a fatores econômicos, já que a grande parcela da população negra também é pobre, não entendendo por sua vez que a opressão racial e econômica não são separadas, mas se intersecionam formando um tipo específico de opressão; assim, o mito da democracia racial visa desconstruir todo discurso que negue a não-existência do racismo. Qual o argumento utilizado? O racismo é creditado a quem propõe medidas que alterem o status quo, ou seja, as pessoas que apontam e questionam o racismo são muitas vezes erroneamente taxadas de serem elas próprias, racistas. A elite intelectual brasileira apoiava as teorias e as políticas públicas e relacionadas a elas. Convencidos de que seria a solução para o excesso de negros no país. Essa ideologia em sua forma prática procedeu somente no Brasil. Em vários países tinha-se o temor da miscigenação e assim surgiu a Segregação Racial. O homem branco era visto como topo da hierarquia social, tanto que, por muito tempo, quando um homem negro começava a se destacar economicamente era muito comum atar matrimônio com uma mulher branca, geralmente loira. Este era o passaporte de ingresso às classes econômicas superiores.
Nossa Carta Magna de 1988, condena formalmente o racismo com o seguinte texto:
(...) A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
(...) VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo.
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...) XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; (BRASIL, 1988, art. 4º VIII e art. 5º XLII)
Contudo o Capítulo III privilegia descendentes de imigrantes (política de branqueamento da nação), na prática brancos. Uma evidente herança de outras leis criadas no ordenamento jurídico brasileiro desde o período da monarquia.
E ainda temos o Capítulo VIII que estabelece a segregação racial entre índios e não índios. Este Capítulo VIII é baseado no modelo do apartheid sul-africano e seus territórios indígenas. O legado legislativo discriminatório é o reflexo da sociedade brasileira. O racismo enraizado nos poderes da união. O negro ainda estará atrasado nas etapas da sociedade, enquanto as políticas públicas não derem as condições para se ter um ponto de partida igual ao de seu concorrente branco. Segundo dados do IBGE a parte da população autodeclarada parda ou negra no Brasil é de mais de 54% (IBGE, 2017), mesmo assim não vemos essa representatividade em atividades que exigem nível superior ou de alto poder aquisitivo para se alcançar objetivos maiores, como por exemplo, a política. Somente com a Constituição Federal de 1988, a prática de racismo passa a constituir “crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão nos termos da lei”. Ou seja, levou 100 anos para o racismo, até então encampado não só pelos mais de 300 anos de escravidão, mas também pelas leis citadas acima, ser considerado crime. Se o termo "reparação histórica" parece complicado, pense de maneira simples: é preciso contrabalancear todo o estrago feito por mais de 400 anos de leis discriminatórias.
"A constituição não foi feita para nós negros, mas faremos com que funcione para nosso povo." Jr Crispin
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